Você já deve ter lido ou ouvido
alguma história de alguém que estava desmotivado, combalido ou completamente
perdido em um emprego chato e entediante, mas que, de repente, saiu da zona de
conforto e engatou vida e carreira novas. O mundo corporativo está cheio delas.
Agora imagine o roteiro acima com
uma premissa diferente. Uma história de caras milionários, que já haviam
encontrado a fórmula do próprio sucesso e que, mesmo assim, resolveram
abandonar a segurança das certezas e se enveredar por caminhos que ninguém
havia trilhado.
Uma história de caras milionários, que já
haviam encontrado a fórmula do próprio sucesso e que, mesmo assim, resolveram
abandonar a segurança
Os caras em questão são os
Beatles. Em 1966, depois de uma exaustiva turnê e no auge da carreira, os
integrantes da banda estavam angustiados. Não se sentiam muito satisfeitos com
o que haviam criado ou achavam que seus trabalhos, até então, se ressentiam da
falta de uma pegada mais pessoal e criativa.
Nessa trajetória musical há uma
fabulosa lição sobre um dos itens mais repetidos dos guias motivacionais: o
“como sair da zona de conforto”. A começar pela redefinição desse conceito por
vezes nebuloso.
Se para muitos essa tal “zona”
significa um trabalho repetitivo ou mal reconhecido, algo que parece um pouco
distante do que pode ser chamado confortável, para os Beatles ela era um lugar
onde faziam fortuna, centenas de shows e ainda contavam com um refúgio mais do
que seguro, digno daquela que já era considerada a maior banda do mundo.
Mas foi a partir dessa
encruzilhada que começou aquele que pode ser considerado o álbum mais perfeito
- ou o mais influente - dos Beatles e que completou 50 anos em 2017: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts
Club Band.
Os Beatles decidiram recomeçar mesmo
antes de seus integrantes completarem trinta anos
Os Beatles decidiram recomeçar
mesmo antes de seus integrantes completarem trinta anos. Primeiro, deram um
tempo dos concertos e aparições. Meses sumidos. Chegaram até a dizer que não
tocariam mais ao vivo. Não suportavam mais as longas turnês e viagens
intermináveis. Todos concordaram que precisavam descansar.
A história diz que usaram o tempo
livre em busca de muitas coisas que ainda não haviam experimentado. Entre elas,
o autoconhecimento. Sem esquecermos de que na época, o LSD também era um
propulsor para viagens interiores, ainda que seu efeito nas criações do
quarteto seja muitas vezes superestimado. Mais decisivos que as drogas foram as
condições necessárias para que cada músico pudesse se encontrar em meio ao caos
mental e físico.
A volta às origens, à infância e,
às essências de cada um se refletiu nas músicas e nas letras que chegariam em
maio de 1967. As sonoridades dos metais, a influência das músicas que ouviam em
casa e as letras sobre o amadurecimento que aparecem em canções como “Gettting
Better” ou “Fixing
a hole” são exemplos da mudança de postura da banda que, apesar do
envelhecimento, não deixaram de tocar os ouvidos dos jovens como em “With
A Little Help From My Friends” ou mesmo em canções que podem até ser
ouvidas por crianças como a clássica “Lucy
In the Sky with Diamonds”.
Para escapar do conforto em que haviam se
deitado como “Reis do Yeah, yeah, yeah”, os Beatles também se permitiram a
liberdade necessária para criar coisas novas
Para escapar do conforto em que
haviam se deitado como “Reis do Yeah, yeah, yeah”, os Beatles também se
permitiram a liberdade necessária para criar coisas novas. Utilizar o nome Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi como estabelecer um pseudônimo que os
concedesse um aval para soar como uma banda nova, sabendo do risco que corriam
com os fãs mais conservadores, mas atentos às possibilidades de encontrar um
público ainda maior para suas músicas.
A primeira faixa, que também leva
o nome de “Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band” é exemplo de uma guitarra com a
distorção que serve para definir tudo o que é chamado de rock até hoje, 50 anos
depois do seu lançamento.
Nessa ebulição criativa, os
Beatles também definiram o que se acostumou a chamar de álbum conceito. Uma
sequência de músicas feitas sem interrupção que contam uma história com começo,
meio e fim. Para quem acha que storytelling é coisa nova, em 1967 os Beatles
estavam fazendo isso em um disco de vinil.
É mais difícil entender pra quem
já nasceu na era do flow dos aplicativos de música. No entanto, Sgt.
Pepper’s é um disco feito para se escutar de ponta a ponta. A ordem de nenhuma
música está ali por acaso e vale à pena sair da zona de conforto por essa
experiência. Aliás, o conceito de um álbum já começava na capa. No caso de Sgt
Peppers, um trabalho feito por Peter Blake, que reuniu as maiores referências
da banda - podemos identificar o escritor Edgar Allan Poe, o ator Marlon
Brando, Bob Dylan e até Karl Marx, entre muitas outras.
Sgt. Pepper’s é um disco feito para se
escutar de ponta a ponta. A ordem de nenhuma música está ali por acaso
Mesmo com tanta coisa boa, não
quer dizer que os Beatles tenham acertado tudo a toda hora. George Martin,
produtor da banda na época, considera até hoje um de seus maiores equívocos
profissionais a não inclusão de duas músicas criadas no período de produção de
Sgt. Pepper’s: Penny
Lane e Strawberry
Fields Forever. Já os Beatles não parecem ter motivos para lamentar.
Sgt Peppers ficou 15 semanas no topo da Billboard e 27 semanas liderando a
lista do Reino Unido. É até hoje uma das obras mais cultuadas entre fãs de todo
o mundo.
PS.:
Fiz questão de colocar o link das músicas que mencionei para que fique mais
divertido acompanhar o texto. Mas há outro motivo: embora muito se fale de Sgt.
Pepper’s, muita gente não dedicou pouco mais de 40 minutos para escutar o álbum
todo. Então, deixo o convite para essa oportunidade.
Publicado em 5 de setembro de 2017
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Rodrigo Focaccio |
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