Imagine o seguinte cenário. Uma
empresa concorrente faz uma proposta para contratá-lo. Animado, você ensaia
deixar o cargo atual e partir para a nova casa. Já está tudo certo para você
sair. Só que o seu empregador faz uma contraproposta. E… Fica difícil negar. Se
você não passou por tal situação, certamente tem um colega que sim. Mas para Marcio
Fernandes, CEO da distribuidora de energia Elektro, a estratégia dessas
empresas não faz o menor sentido. “É impossível fazer uma gestão de engajamento
em um ambiente onde você compra a permanência das pessoas”, afirma. Marcio
ficou conhecido por levantar, com firmeza, a bandeira da felicidade dentro das
corporações. Ele é autor do livro "Felicidade dá Lucro" (Companhia
das Letras), lançado no ano passado, e suas ideias vão contra os modelos mais
tradicionais de gestão.
O executivo, que assumiu a
presidência da Elektro aos 36 anos, defende que, com abertura para diálogo e
“convergência de propósitos”, é possível ir muito mais longe. Trata-se de uma
forte relação de confiança e respeito com os trabalhadores. “A gente precisa
entender que respeitar uma pessoa não é só falar baixo com ela ou falar de
maneira adequada — isso é não cometer assédio moral.” E se engana quem pensa
que a filosofia tem a ver com ser mais permissivo. Nada disso. A “régua é alta”
para os funcionários. Ou melhor, “colaboradores”. No meio da entrevista, Marcio
Fernandes pede para fazer um adendo: “Não falo de funcionário, falo de
colaborador. Máquinas funcionam, pessoas podem optar por colaborar. É bem
sensível, mas faz diferença”.
No começo de novembro, ele falará
sobre como fazer da felicidade uma vantagem competitiva na HSM Expo 2016, em
São Paulo. Nesta entrevista, o executivo aborda a relação que gestores devem
construir com sua equipe, o lado positivo de trabalhar sobre pressão e como não
deixar que a crise espalhe pessimismo dentro da empresa.
Até que ponto um gestor deve se
preocupar com a felicidade de sua equipe no que diz respeito a questões que vão
além do trabalho?
Ele tem de se preocupar 100%. Mas
não é o "dono" do que acontece na vida das pessoas. Ele tem de ter
limites de respeito — não pode invadir a individualidade de maneira alguma —,
mas tem de se interessar. É importante saber se a pessoa está bem em casa, se
está endividada, se está doente ou se há alguém doente na família. É o
interesse genuíno. Isso porque é muito difícil chegar para alguém e dizer:
“Minha visão dos seus valores está ali naquela parede, somente siga”. O cara
vai odiar, nem sabe se concorda. O que fazemos é, antes de dizer o que queremos
dele, perguntar o que ele quer. Se conseguimos ter esse nível de discernimento
e sensibilidade, teremos uma equipe de altíssima performance porque saberemos
respeitar os momentos de cada pessoa.
Se a pessoa está com algum problema,
qual é o próximo passo? Como o gestor poderia interferir?
Aqui [na Elektro], oferecemos ajuda.
Tem ações institucionais, como o sistema “Mais Apoio”. As pessoas podem
acioná-lo a qualquer hora do dia, com total confidencialidade e anonimato, para
falar de qualquer problema. Se está endividada, ela tem auxílio de um consultor
financeiro para reestruturar as contas e renegociar dívidas. Ou, se preferir,
pode ir direto para o gestor. Uma colaboradora está com a filha na UTI desde
que nasceu. A licença maternidade já acabou, ela voltou para o trabalho, mas a
menina continua no hospital porque nasceu muito prematura. Então, conversamos e
construímos uma escala de trabalho que viabilize que a mãe priorize a filha.
Isso gera um processo de engajamento e credibilidade que transcende a relação
de trabalho. É uma relação de confiança.
O ideal, então, é que os gestores
conversem frequentemente?
Dimensionamos as equipes para que
o líder tenha condições reais de, durante o período de um mês, falar com todas
as pessoas individualmente, com qualidade, pelo menos três vezes. Isso vai
gerando um alinhamento, uma combinação melhor das expectativas. Saímos do
efetivo — regras, metas — e ampliamos para o que é afetivo também.
E assim o trabalhador sente-se mais
motivado?
É uma construção. A primeira
coisa é abrir diversos canais para que as pessoas possam ser ouvidas.
Investimos muito na preparação da nossa liderança para que ela soubesse abrir
espaço para o diálogo. Historicamente, no mundo normal, o chefe é o cara que
manda. Colocamos aqui uma quebra de paradigmas. Nem chamamos nossos líderes de
chefes, mas de facilitadores. E também medimos o líder, em indicadores de
performance, pelo desenvolvimento de pessoas. A gente não faz avaliação de
desempenho, mas um diário de competências, ressaltando o que está indo bem e
apontando o que precisa de melhorias — e contribui para esse processo. À medida
que tudo isso se desenrola, as pessoas vão se sentindo mais à vontade para
opinar, para participar, para mudar de área.
Ouço o sr. falando muito sobre
respeito. Imagino que vá muito além de simplesmente não levantar a voz com o
subordinado.
A gente precisa entender que
respeitar uma pessoa não é só falar baixo com ela ou falar de maneira adequada.
Isso é não cometer assédio moral. Respeito vai muito além. Respeitamos as
pessoas, por exemplo, quando não fazemos julgamento em relação às escolhas que
ela faz — sejam opções pessoais ou de carreira. Não fazemos um trabalho para
que a pessoa fique onde a gente quer que ela fique. A gente trabalha para que
elas fiquem onde elas sonharam ficar. Ela não precisa mentir para fazer uma média
com o chefe. Aqui ninguém faz média. Todo mundo sabe que os facilitadores são
medidos pelo desenvolvimento de pessoas. Se a pessoa for sincera com ele e
sincera consigo mesma, ela vai buscar o que sonha. E nós vamos respeitar. O
normal é o vertical: o cara entra em uma posição de advogado júnior, vai para
advogado pleno, depois advogado sênior, depois gerente do jurídico. Aqui a
gente deixa aberto para ele dizer, em uma conversa franca, o que quer. Ele pode
dizer que o sonho dele é trabalhar no RH. Aí, fazemos uma análise do que ele
tem e do que ainda falta para ele conseguir a vaga que busca, ele vai investir
nele mesmo e vamos ter um programa de educadores. Quando fazemos isso,
conseguimos uma grande convergência de propósitos. Todo mundo ganha.
"Se você
conseguir se conectar com um propósito, seja lá o que fizer, vai ter mais
momentos de felicidade do que a média."
No momento econômico turbulento pelo
qual passa o país — quando todos são mais cobrados —, como não deixar que o
pessimismo se espalhe dentro da empresa?
Essa é uma dúvida recorrente. A
crise, muitas vezes, degenera a vontade das pessoas de lutar. Parece que a
guerra está perdida — elas acabam aceitando muito passivamente. Chegam a usar
esse momento difícil como justificativa para insucessos individuais. Também
muitas empresas falam da crise como a grande culpada de tudo. O que temos feito
para nos blindar e impedir que as pessoas se influenciem é, basicamente, duas
coisas. Primeira: criar movimento. Significa fazer com que a vida da pessoa passe
a ter ritmo, que não seja só guiada. Tem que ser uma vida de protagonismo, de
autonomia. A segunda parte: dar abertura total a propostas. Ao mesmo tempo em
que vivemos uma crise, estamos batendo recordes de eficiência gerados pelo
protagonismo dessas pessoas. A gente tem, sim, dificuldades. Afinal, a crise
nos afeta, já que o consumo de energia diminui. Mas por outro lado, a gente
chega a quase 30% de eficiência em custos, sem fazer nada absurdo. Pelo
contrário, a gente fala de eficiência e não de corte. As pessoas é que estão
sendo as protagonistas disso. A gente promove uma verdadeira revolução no
currículo das pessoas que querem fazer coisas diferentes. A abertura para
propostas faz com que as pessoas queiram participar. E as pessoas que
participam têm mais reconhecimento. Elas entram em um ambiente de movimento
contínuo. Todo esse movimento faz com que não se sintam vulneráveis à crise.
Então mais pressão não precisa
significar menos chances de ser feliz?
Costumo dizer que a pressão é só
mais um ingrediente. Eu, por exemplo, gosto de ambientes com um pouco mais de
pressão. A gente precisa de algum gatilho. Em momentos de pressão, as pessoas
tendem a se movimentar com mais ênfase. E o que seria um motivo para pessoa
ficar triste e frustrada, torna-se o contrário. Porque ela teve uma disciplina
maior para buscar aquilo que sonhou e, óbvio, terá mais êxito.
Muitas pessoas criticam a ideia de que
você tem de buscar felicidade o tempo todo. Você discorda delas?
Não. Acho que é impossível buscar
o tempo inteiro a felicidade. Realmente existem momentos que não são
considerados felizes. É só que, na minha opinião, precisa ter sempre uma
conexão muito clara com propósitos. Se você conseguir se conectar com um propósito,
seja lá o que você fizer, vai ter mais momentos de felicidade do que a média de
pessoas.
Sua filosofia tem a ver com acabar com
a ideia de que existe uma vida no trabalho e outra fora. Quando essas duas se
convergem?
Elas estão sempre misturadas. O
problema é quando tentamos separar. Na minha visão, quando você fala “na minha
vida pessoal, eu não sou assim” ou “no meu trabalho tenho que assumir uma
postura diferente da minha vida pessoal”. Isso gera um peso. É uma máscara
difícil de carregar e manter. Sou um grande adepto da ideia de que temos uma
única vida. E ela não é divida em duas partes. Eu sou o que eu sou no trabalho.
E eu sou o que eu sou na vida pessoal. As duas coisas são a mesma. O que é
importante deixar bem claro é que há quatro momentos que a gente precisa
garantir. O tempo para trabalhar, o para família, o para dormir e o para você
mesmo. Não significa sejam excludentes.
Quais são os piores exemplos que já
observou em empresas?
Tem inúmeros exemplos. A perda de
produtividade está na falta de coerência, por exemplo: “faça o que eu falo, não
faça o que eu faço”. Isso é muito frequente, infelizmente, nessas empresas com
gestão tradicional, fadada à morte. Essa coisa da retenção também. É impossível
fazer uma gestão de engajamento em um ambiente onde você compra a permanência
da pessoa. É péssimo. A gente nunca passa da média. Quem quiser ficar aqui tem
de ser por uma opção de vida. E ainda há empresas que fazem debate sobre
políticas de retenção. Acho isso tão imbecil.
O que tem de ser feito no lugar?
Para mim, um processo de
encantamento, para que a pessoa decida trabalhar com você.
Como um gestor pode ajudar o
colaborador a encontrar seu propósito?
Você não cria um propósito no
trabalho para a pessoa. Você pega o propósito que a pessoa tem para a vida dela
e converge para os seus propósitos de trabalho.
"Atender bem o
cliente, respeitar o fornecedor... Cara, isso não é propósito para a pessoa, é
propósito para a empresa."
Como assim?
Digamos que a empresa tem o
propósito de ser a maior do Brasil, com a maior rentabilidade, com o melhor
serviço ao cliente. Esse é o propósito de uma empresa. Aí você pega a
pessoa e vê qual é o propósito de vida dela. E você tem de conversar com pessoa
por pessoa para saber. Você vai mapear isso, registrar e fazer com que os
propósitos de empresa e das pessoas seja convergente. Eu já tive uma discussão
com o diretor de uma empresa do setor financeiro. Ele disse que criava
propósito para as pessoas: atender bem o cliente, respeitar o fornecedor...
Cara, isso não é propósito para a pessoa, é propósito para a empresa. A pessoa
pode olhar e questionar: “essa empresa só quer isso de mim?”. Isso é o que ela
vai fazer porque você está pagando. O que é preciso saber é o que a pessoa quer
para a vida dela. Ela vai ver que existe interesse genuíno. Não dá para você
ficar mandando, obrigando, fiscalizando as pessoas o tempo inteiro. O controle
custa caro demais, então a gente precisa criar convergência de propósito.
Depois de virar referência em
felicidade, a procura por cargos na Elektro aumentou?
Nossa, muito. Tivemos um aumento
muito legal. A gente fazia programa de seleção de estagiários e, para completar
o número de vagas, dava um trabalhão. Afinal, o setor de energia elétrica não é
muito sexy. Então a gente sofria. Agora, vou dar o exemplo do último programa
que a gente fez. Foi no meio do ano, período não muito comum para procurar
estagiários. Tivemos também 20 vagas — só que 60 mil inscrições. Foi de cair da
cadeira. No final, acabamos ampliando o programa e chamando 40.
Ser um líder de que todos gostam pode
afetar a maneira como o gestor faz suas decisões?
A gente não é uma ONG. Todas as
lideranças aqui são, sim, admiradas. Mas o que as faz ser assim não é serem
paternalistas ou simplesmente passivas. É fazer tudo com ética, justiça,
coerência. Ser admirado como gestor é resultado de uma gestão transparente,
aberta, participativa. Não é que você pode fazer coisas erradas. “Ah, não vão
me mandar embora.” Pelo contrário, temos uma régua muito mais alta agora que
nos tornamos exemplo.
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Valter Oliveira Mendes
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Publicado em 31 de março de 2017