Pesquisa exclusiva da PwC e FGV em parceria com a VOCÊ RH revela que o
PIB brasileiro pode aumentar em 16 bilhões de reais por ano se contratarem
idosos
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Miusly Ferreira,
gerente de DHO da Votorantim: como cuidam dos netos de dia, os funcionários
mais velhos trabalham depois das 17h30 (Marcelo Almeida/VOCÊ RH)
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A discussão sobre a reforma previdenciária alertou
políticos, executivos, trabalhadores e cidadãos em geral para um problema sem
volta: o envelhecimento acelerado da nação.
Daqui a
somente 13 anos, o Brasil terá mais velhos do que jovens. A diferença ainda
será pequena: 18% da população terá fios brancos, enquanto 17,6% terão até 14
anos de idade. Mas o ano marcará o ponto de virada da pirâmide etária. A partir
daí, é só ladeira abaixo.
Até 2050,
de acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
quantidade de pessoas idosas vai triplicar no país, alcançando 66,5 milhões de
brasileiros — quase 30% do todo. Contudo, uma década antes, em 2040,
aproximadamente 57% da população em idade ativa será composta de indivíduos com
mais de 45 anos de idade.
O cenário
exige mudanças profundas nas políticas públicas de saúde, assistência e previdência
social, mas também no mercado de trabalho. “A reforma da Previdência é apenas
uma das urgências para o país se preparar para o envelhecimento da população”,
afirma Roberto Martins, diretor da consultoria PwC Brasil
especializado no tema.
Ele
acredita que, para compensar o custo maior atrelado à longevidade, os
profissionais mais velhos deveriam ser não só encorajados como também
estimulados a se manter na ativa. “Para isso, as organizações precisam ter
modelos de trabalho adaptados.”
A tese é
que, com mais gente trabalhando por mais tempo, o Brasil teria um incremento do
produto interno bruto (PIB),
resultando em aumento do poder de compra dessa classe etária e nas receitas com
impostos. Isso sem contar a melhora na saúde e no bem-estar das pessoas da
chamada “melhor idade”, que se manteriam ativas mental e fisicamente.
A pedido
de VOCÊ RH, a
consultoria PwC e a Fundação Getulio Vargas (FGV)
realizaram uma pesquisa para mensurar o impacto do envelhecimento da força de
trabalho no Brasil. O país foi inserido num contexto internacional e comparado
com Estados considerados referência na questão.
A Suécia é o melhor exemplo da empregabilidade de pessoas
mais velhas, tanto por suas políticas públicas como pelas práticas de mercado.
Para ter uma ideia, a taxa de profissionais com idade entre 55 e 64 anos
empregados naquele país é de 66% — acima da média de 44% da Europa. No Brasil,
de acordo com o IBGE, o nível de ocupação dos idosos em 2015 era de 26%.
João
Lins, professor da FGV e um dos responsáveis pela pesquisa, afirma que, se o
Brasil criasse instrumentos para ampliar a empregabilidade dos mais velhos, poderia
aumentar seu PIB em 18,2 bilhões de reais por ano. “Fomos conservadores nessa
estimativa, isso significa 0,3% do PIB. É pouco, mas o benefício de utilizar
essa população vai além do crescimento econômico e passa por uma economia na
Previdência e uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas”, diz. Segundo
ele, as empresas também ganhariam ao contratar funcionários mais experientes.
Falta
muito
O caminho
para o Brasil se tornar uma Suécia na questão da empregabilidade de idosos é
longo. Primeiro, porque o país passa por uma crise econômica e há 13,5 milhões
de desempregados — enquanto na Suécia a situação é de pleno emprego. Roberto
Martins, da PwC, ressalta ainda o problema da remuneração.
Com a
crise, muitas companhias trocaram profissionais experientes — e mais caros —
por jovens com salários menores. “Temos essa cultura que prioriza o curto prazo
e, nessa lógica, prevalece quem for mais barato. Isso é difícil de mudar e
pouco evoluiu desde que fizemos a primeira edição da pesquisa, em 2013”, afirma
o consultor. Pela análise da PwC, os profissionais acima de 50 anos ganham, em
média, 30% mais do que aqueles com 30 a 49 anos.
A questão
das políticas públicas também é outro desafio. Na Suécia, por exemplo, a
quantidade de impostos recolhidos ultrapassa a dos demais países da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e há uma reversão de
benefícios para a população, que tem acesso a saúde e educação de qualidade.
Por sua
vez, no Brasil, os tributos não garantem a gratuidade dos serviços — o que
reflete no grau de escolaridade dos brasileiros, por exemplo. A média de estudo
de pessoas com mais de 60 anos é de menos de seis anos. Para ter uma ideia,
65,5% dos idosos empregados no país em 2015 tinham como nível de instrução o
ensino fundamental incompleto, segundo dados do IBGE, o que impossibilita uma
inserção em postos de trabalho que exigem melhor qualificação.
Além do
problema da capacitação, os pesquisadores da FGV e da PwC elencam as questões
trabalhistas como agentes complicadores. “A falta de flexibilidade de horários
e de uma empresa não poder recontratar um funcionário com um salário menor,
para trabalhar menos horas, acaba restringindo as opções”, afirma João Lins, da
FGV.
Apesar de
ainda não haver data para votação, um projeto de lei do Senado pode auxiliar
essa demanda. O PLS 142/2017 propõe um regime especial de trabalho para pessoas
com mais de 60 anos, que teriam jornada diária de 4 horas. De acordo com o
projeto, o empregado teria direito ao salário-hora equivalente ao piso da
categoria profissional e as companhias poderiam contratar até 10% de seu quadro
sob esse regime.
Lado
prático
Para
identificar como, de fato, as corporações estão lidando com o envelhecimento da
população, os pesquisadores da FGV e da PwC conduziram grupos focais com
executivos de recursos humanos. As reuniões aconteceram no começo de julho no
Núcleo de Estudos em Organizações e Gestão de Pessoas (Neop) da FGV.
Nas
conversas, ficou claro que há um movimento incipiente dos RHs para se preparar
para esse cenário. “Eles têm formado grupos intergeracionais estruturados;
feito treinamentos por meio das universidades corporativas e apostado na
prática de mentoria para integrar profissionais de idades distintas”, diz Maria
José Tonelli, coordenadora do Neop.
Para a
pesquisadora, as organizações ainda não percebem a escassez do profissional
jovem, apesar da eminente inversão da pirâmide demográfica. “Os argumentos para
não apostar nos talentos maduros são variados, mas sempre esbarram na questão
dos salários e na da falta do perfil almejado”, diz.
De acordo
com Maria José, os executivos de recursos humanos entrevistados afirmaram que
os profissionais grisalhos têm mais inteligência emocional e experiência com
relação à estratégia. Em contrapartida, têm menos aptidão para novas
tecnologias. “Os prós são maiores do que os contras, mas a verdade é que ainda
temos barreiras culturais a ser rompidas.”
Mesmo
assim, já há algumas corporações que resolveram apostar nos cabelos cinzas. A
companhia aérea Gol é uma delas, com o programa Experiência na Bagagem. Segundo
Jean Carlo Nogueira, diretor de RH da Gol, a lógica é a da diversidade.
“Transportamos 32 milhões de passageiros por ano. São perfis variados de pessoas
e nosso quadro precisa refletir isso.” A área de atendimento ao cliente é a
principal porta de entrada para os idosos, mas todos os processos seletivos
contam com candidatos com mais de 50 anos.
Para
atrair esse pessoal, a Gol buscou a flexibilidade: há jornadas de 4 e 6 horas
nos aeroportos e também há posições para atendimento no call center que podem
ser feitas integralmente de casa. “Entendemos que esse público tem outras
atividades para conciliar e não busca mais um trabalho integral”, diz o executivo
de RH. Em pouco mais de um mês de programa, a empresa recebeu cerca de 3 000
currículos de representantes da melhor idade. “Os profissionais mais velhos têm
a capacidade de se colocar no lugar do outro com mais empatia. Acreditamos que
isso faça toda a diferença na qualidade do atendimento”, afirma Nogueira.
O Grupo
Votorantim, que tem operações em mineração e metalurgia, siderurgia, celulose e
papel, também mira a qualidade do serviço quando contrata funcionários mais
experientes. A empresa incentiva o recrutamento de profissionais acima de 45
anos para trabalhar no centro de excelência em soluções compartilhadas, que
presta serviços para todas as investidas de negócio do grupo.
Atualmente,
14 profissionais de 45 a 67 anos atuam nas áreas de contabilidade, finanças e
controladoria na unidade de Curitiba, no Paraná. “Esse público se destaca pelo
aumento da produtividade e da qualidade dos processos”, diz Miusly Ferreira,
gerente de desenvolvimento organizacional da Votorantim.
Os
resultados do grupo são tão bons que a Votorantim avalia expandir as
contratações. “Estamos mapeando outras áreas que possam receber essas pessoas”,
afirma a executiva. Para atrair os talentos, a empresa também aposta em horário
flexível, e a jornada de trabalho acontece no período noturno. “São indivíduos
que cuidam dos netos, vão à academia. Assim, eles ficam com o dia livre para
suas atividades pessoais e trabalham das 17h30 às 23h30”, diz Miusly.
Já a
Henkel, que fabrica adesivos e cosméticos, aposta na integração para reduzir os
conflitos entre gerações. “Sabemos da importância dos jovens no quesito
tecnologia, mas os profissionais mais experientes têm muita bagagem para
compartilhar”, afirma Valeria Gladsztein, diretora de recursos humanos da
empresa, que emprega cerca de 1 000 funcionários no Brasil, sendo 14% acima dos
50 anos.
Por isso,
o RH criou um programa de mentoria reversa, no qual os jovens servem de
conselheiros para quem tem mais anos de vida. “A ideia é incentivar esse
contato e uma imersão no quesito tecnologia. Não só sobre assuntos relacionados
ao trabalho, mas falar de redes sociais, de aplicativos, do que faz sentido na
rotina das pessoas atualmente”, diz Valéria. O programa piloto teve sua
primeira edição com oito duplas e já prepara novas rodadas de mentoria. “São
conexões benéficas para os dois lados e, principalmente, para os negócios”,
diz.
Na
falta de robôs…
Ao mesmo
tempo em que as corporações ensaiam iniciativas para lidar com a guinada na
pirâmide etária, outra discussão também ganha espaço no mercado. Com mais
idosos do que jovens para trabalhar, quem fará as tarefas?
Segundo
um estudo da consultoria McKinsey, sem uma aceleração da produtividade, o PIB
global sofrerá uma queda de 40% — de 3,6% ao ano até 2012, para 2,1% nos
próximos 50 anos. Seria necessário um aumento de produtividade 80% mais rápido
para compensar o declínio projetado. As soluções passam pela retenção da mão de
obra mais velha e pelo uso intensivo da tecnologia.
Enquanto
os robôs não chegam, temos de pensar na melhor maneira de aproveitar os
talentos, sejam eles jovens ou grisalhos.
O
que dificulta
Remuneração
alta: os
executivos se constrangem em oferecer um salário menor do que o profissional
recebia anteriormente.
Convivência
intergeracional: estresse
entre gerações que convivem no mesmo ambiente de trabalho.
Visão
a curto prazo: as
organizações ainda não perceberam que os mais velhos serão a maioria da força
de trabalho no médio prazo.
Modelo
organizacional: as
estruturas organizacionais desestimulam a contratação de profissionais maduros.
Há muitos jovens entrando com ansiedade de crescer rapidamente e as
organizações concorrem com as startups.
Legislação: as leis trabalhistas brasileiras
apresentam limitações. Por exemplo, não permitem rebaixar salários.
Rede
de contatos: falta de
talentos maduros apresentados por headhunters para cargos executivos. Há uma
percepção de que a recolocação dos profissionais maduros eleva sua autoestima,
levando o executivo a buscar outras oportunidades, e o headhunter descumpriria
a meta de permanência do funcionário na empresa.
Outros
fatores: preconceito
com profissionais mais velhos e cultura do país.
As
primeiras aposentadas
Estamos
vendo a primeira geração de executivas brasileiras se aposentando. Essa foi a
conclusão da tese de doutorado de Vanessa Cepellos, pela Escola de
Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, que tem como base uma
pesquisa com 58 profissionais com idades entre 41 e 63 anos, que atuaram ou atuam
em grandes empresas.
Para
Vanessa, a carreira dessas mulheres foi marcada por dificuldades profissionais,
como preconceito, assédio sexual e ausência do modelo feminino de gestão.
Como
consequência, elas estabeleceram mecanismos para enfrentar esses obstáculos e
provar sua competência com mais dedicação e desempenho se comparado aos homens.
“O envelhecimento acaba sendo um sofrimento maior para elas”, diz.
Elas
temem ser trocadas por profissionais mais jovens e não conseguir recolocação no
mercado. Por causa dessa insegurança, a maior parte das executivas deixam
engatilhadas as possibilidades de se tornarem empreendedoras, conselheiras ou
se dedicar à área acadêmica, por exemplo.
Segundo
Vanessa, essa é uma questão muito recente e as corporações ainda não têm
respostas sobre como lidar com o fim da carreira dessas profissionais.
“Precisamos pensar sobre isso, afinal as mulheres têm expectativa de vida maior
do que os homens e em breve haverá mais executivas em cargos estratégicos”,
afirma.
Oportunidade
de negócio
Conforme
a mão de obra brasileira ganha novos contornos, as oportunidades de negócio
começam a
aparecer.
A Maturi Jobs, startup de recolocação profissional para pessoas acima
de 50 anos, é um exemplo. O engenheiro de software Mórris Litvak criou a empresa em 2015 inspirado em sua
avó, que trabalhou
até os 82 anos. “Vi quanto aquilo era importante para ela.
Depois de parar, ela
se deteriorou e não era
mais a mesma pessoa”, diz. Por meio de um site, as pessoas com mais de 50 anos
inscrevem seu currículo
(há aproximadamente 50 000 currículos cadastrados) e as empresas divulgam as
oportunidades.
Cerca
de 530 organizações publicaram suas vagas no portal, a maioria para a área de
atendimento ao cliente.
Publicado em 1 out 2017, 13h00
FONTE: https://exame.abril.com.br/negocios/brasil-poderia-aumentar-o-pib-se-contratasse-idosos/