Elas
recebem menos que os homens não por um fenômeno de mercado, e sim por
preconceito – um problema que prejudica as mulheres, suas famílias e a
sociedade inteira
*Angela Donaggio é professora e pesquisadora da FGV Direito SP. Fabiane
Midori é estagiária do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da FGV Direito SP.
(Foto: Divulgação)
Seria possível uma mulher “valer” mais dentro de casa sem ser
remunerada, desempenhando o papel tradicional de “babá, cozinheira, lavadeira,
passadeira, motorista, faxineira e professora particular”, além de
“nutricionista, clínico geral e psicóloga”, em vez de trabalhando fora? Essa
foi a tese defendida pelo economista Gustavo Cerbasi no artigo “O valor de
uma mãe em casa”. Para analisar tema tão complexo e relevante, é essencial se
basear em dados de pesquisas sérias e especializadas sobre o assunto, sem sair
da análise econômica. Uma análise que contabilize apenas o salário da
mulher versus os gastos que a ausência dela exija no cuidado dos filhos,
além de incompleta, é equivocada, como mostra o relatório de 2016 do Center for
American Progress.
O
documento calcula os custos ocultos, para a mulher, de abandonar o trabalho
remunerado e passar a trabalhar exclusivamente no cuidado dos filhos. Esses
custos vão muito além dos salários que deixam de ser recebidos, chegando a 3,2
vezes o valor da simples remuneração. Isso porque deixar o trabalho remunerado
reflete negativamente na aposentadoria e em outros benefícios, além de a mulher
deixar de ter a perspectiva de aumentos salariais e trocas de emprego durante a
carreira
Além de
receber cerca de 70% do salário do homem para fazer o mesmo trabalho, tendo a
mesma formação (IBGE, 2015), a mulher sofre outras penalidades apenas por ser
mulher. Segundo pesquisas da Universidade da Pensilvânia, o salário das
mulheres diminui cerca de 7% por filho. Se a diferença no salário se devesse
apenas ao período da licença-maternidade, mulheres ganhariam o mesmo que
homens, exceto neste período. Contudo, verifica-se que esse “desconto” ou
punição continua sendo aplicado às mulheres, mesmo após a idade fértil. Logo,
tem-se mais uma evidência da falta de fundamento para o argumento de que a
diferença salarial seria um “fenômeno de mercado”.
A
situação é ainda mais preocupante no caso brasileiro, uma vez que 40% dos lares
são chefiados por mulheres (IBGE, 2015). Assim, para quase metade das famílias,
simplesmente não há como conceber o “valor de uma mãe em casa”. Aceitar essa
discrepância salarial como fato natural do mercado é um problema, porque
perpetua a desigualdade e agrava a situação de vulnerabilidade social de cada
família chefiada por mulher.
Podemos
pensar também no efeito coletivo – outras pesquisas recentes, como a análise da
McKinsey Global Institute (MGI) em 95 países, demonstram que seriam adicionados
US$ 28 trilhões à economia global até 2025 se todos os países atingissem a
plena igualdade econômica entre homens e mulheres. Isso representaria um
acréscimo ao PIB global quase equivalente às economias dos Estados Unidos e da
China juntas.
Calcula-se
esse impacto com base na eliminação não apenas da atual diferença salarial
entre homens e mulheres para um mesmo trabalho com a mesma formação, mas também
de outros bloqueios ao potencial de desenvolvimento dos países. Isso inclui
diversas formas de trabalho não remunerado (geralmente no cuidado de
familiares), a sub-representação econômica (como a discriminação na concessão
de crédito), a sub-representação política e as diversas formas de violência
contra a mulher.
O ganho
decorrente de uma maior equidade de gênero seria ainda maior em países em
desenvolvimento. A América Latina, por exemplo, seria enormemente beneficiada,
com um aumento estimado de 10% de seu PIB.
No caso
do Brasil, dar à mulher a real opção de continuar com sua carreira sem ser
prejudicada – a despeito ou não de ter filhos – geraria um aumento de US$ 850
bilhões no PIB. O benefício também seria substancial em países desenvolvidos.
No caso do Japão, país no qual as convenções sociais são muito fortes, o
aumento de seu PIB seria de 13%.
São as tais “tradições” mencionadas por Cerbasi que estão levando o Japão a uma grave crise de natalidade, uma vez que o fardo da responsabilidade pelos filhos, carregado até o momento exclusivamente pela mulher, é alto demais para elas continuarem querendo tê-los. O país está tomando diversas medidas para mudar essa realidade que ameaça sua própria perenidade.
São as tais “tradições” mencionadas por Cerbasi que estão levando o Japão a uma grave crise de natalidade, uma vez que o fardo da responsabilidade pelos filhos, carregado até o momento exclusivamente pela mulher, é alto demais para elas continuarem querendo tê-los. O país está tomando diversas medidas para mudar essa realidade que ameaça sua própria perenidade.
Adicionalmente,
diversas evidências científicas demonstram que mulheres valorizadas na força de
trabalho e na alta gestão das companhias geram maior inovação, melhores
práticas em relação aos diversos grupos de interesse no negócio (stakeholders)
e ao meio ambiente, além de apresentar maiores níveis de conformidade com a lei
(compliance). Em outro trabalho recente, verificou-se que, para uma mesma
infração ética no ambiente de trabalho, as mulheres eram punidas mais
fortemente do que os homens. Ao serem mais pressionadas para exibir uma conduta
ética, as mulheres acabam por se comportar mais dessa forma.
O valor
de uma mulher no mercado de trabalho também tem reflexos na seleção dos
melhores talentos. O Brasil é um dos países que mais sofrem com a escassez de
profissionais qualificados. Em uma economia do conhecimento, essa falta na mão
de obra é uma das responsáveis pelo menor desenvolvimento do país. Se as
mulheres constituem 57% dos universitários e são a maioria entre os detentores
de ensino superior (12,5% das mulheres completaram a graduação contra 9,9% dos
homens), perdemos talentos quando elas se veem menos valorizadas no mercado de
trabalho.
Ao
entender que o filho não é responsabilidade exclusiva nem primordial da mulher,
mas do casal e da sociedade, o chamado “risco associado ao gênero” deixará de
existir. Aliás, essa é uma nova denominação para algo que já tem, há centenas
de anos, nome e sobrenome: preconceito de gênero, vedado pela nossa
Constituição e por diversos órgãos internacionais, como a ONU, para a qual
erradicar preconceitos de gênero é uma meta do milênio.
É isso que permitirá à mulher escolher de fato o que é melhor para si e para
seu arranjo familiar, a despeito de “tradições” que a limitam, bem como limitam
a sociedade. Lugar de mulher é onde ela quiser e é nosso dever buscar fazer
disso uma realidade para todas as brasileiras
ANGELA
DONAGGIO E FABIANE MIDORI
31/07/2017
- 08h01 - Atualizado 03/08/2017 16h40
FONTE: http://epoca.globo.com/economia/noticia/2017/07/o-valor-de-uma-mulher-no-mercado-de-trabalho.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário